segunda-feira, 2 de junho de 2008

O Sábio – Episódio II

O Serafim não tocava piano, nem falava francês, mas arranhava, embora mal, uma guitarra portuguesa de afinação estranha e jogava futebol no clube lá da terra. Tinha, obviamente, um ar pálido a que se juntava um par de óculos que deixava escorregar até que ficassem pendurados na ponta do seu nariz aquilino, como um professor dos antigos.
Apesar do ar circunspecto, tinha um humor refinado, a caminho do britânico. Era trotskista e boémio, não acreditava no amor platónico, declamava poesia como ninguém, adorava a capa e, com isto tudo, ganhou a alcunha de “o Sábio”, pois, apesar da sua estranheza, era um gajo tido em consideração por todos os elementos da tuna, até hoje.

Um dos seus episódios mais caricatos deu-se numa saída da tuna, quando foi dormir a casa de outro elemento nosso. Este havia deixado uma cama feita para o Serafim dormir, com lençóis lavados e passados como manda a boa hospitalidade.
Ao chegar a casa do amigo, depois de uma boa noite de boémia, o Sábio – ao deparar-se com a cama feita – vira-se para o hospedeiro e profere quase declamando: “Quem tem capa sempre escapa!”.
Dito e feito. Enrolou-se na capa, deitou-se no chão, e assim dormiu consoladamente toda a noite…

Marcelo Trintão

P.S. Tanto a alcunha como o nome deste personagem não são os originais, por motivos óbvios.

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