quinta-feira, 5 de junho de 2008

Remendos, Reforços & Convidados

Ora aqui está um tema que me alegra…

Desde há muito que a amizade e o companheirismo entre tunos são aspectos marcantes deste nosso universo. Infelizmente, têm sido, em muitos casos, remetidos para segundo plano por uma exacerbada procura dos prémios festivaleiros e por uma deriva para ambientes de cortar à faca entre várias tunas e respectivos tunos.

Contrariando a recorrência dos maus ares, um antigo hábito tem vindo a tornar-se, felizmente, bastante habitual. Refiro-me ao tema desta peça: Remendos, reforços & convidados.
Na altura do boom das tunas em Portugal, sucedia, com menor frequência que na actualidade, mas sucedia, existirem elementos de algumas tunas que tocavam com outras, como remendos, reforços ou meros convidados. Se, nessa época, os motivos se prendiam com a menor capacidade musical de alguns grupos, o que obrigava a solicitar, a espaços, a ajuda dos amigos, no presente os motivos são outros.

Comecemos pelo princípio, que é onde se deve iniciar. O que são, neste contexto, “remendos”, “reforços” e “convidados”?
Um remendo, em tuna, usa-se quando temos pessoas em falta para uma qualquer saída da tuna e necessitamos de suprir uma falta ou falha, usualmente musical. Sucede, bastas vezes, quando a tuna assume um compromisso e se vê na eminência de não o conseguir honrar com os seus elementos ordinários.
O reforço é um pouco diferente do remendo, pois parte-se do pressuposto de que a qualidade mínima está assegurada e apenas se quer fazer uma melhoria, um up grade; solicitando a presença de um elemento exterior à tuna em causa.
O convidado tem pressupostos de utilização diferentes dos anteriores, pois centra-se na pessoa desafiada para acompanhar a tuna, procurando, sobretudo, o aprazimento deste indivíduo durante a sua participação nesse contexto.

Gosto de qualquer destes três modelos de participação de extratunos, desde que sejam acauteladas algumas situações. Em primeiro lugar, uma tuna em que os remendos são usados com regularidade não estará de boa saúde, visto que não consegue manter a sua actividade habitual sem o apoio externo. No entanto, se usados com parcimónia, os remendos podem evitar alguns amargos de boca à tuna, pois evitam que esta falhe compromissos assumidos.
Por sua vez, a utilização de reforços tem bastantes vantagens, pois – sem pôr em causa a qualidade mínima da tuna e a sua coerência enquanto tal – acrescenta valências previamente inexistentes. Se se tornarem usuais e centrados na componente musical, em contexto competitivo os reforços podem ser perniciosos para o ambiente entre tunas. Os casos de músicos pagos para actuar como sendo elementos da tuna afiguram-se-me completamente absurdos. Não me refiro, naturalmente, à colaboração com músicos ou grupos musicais num qualquer evento; desde que essa colaboração seja clara para quem vê e ouve a tuna.
Por último, temos os convidados. Esta é uma figura muito interessante. Normalmente, a participação destas pessoas na tuna assume-se numa elevação social dos elementos desafiados. Convida-se alguém a partilhar um momento da tuna não porque a tuna ganhe algo de especial com isso, mas porque se tem o convidado em boa consideração. Conheço inúmeros casos destes e utilizo, amiúde, este modelo de relação com tunos e não-tunos.

Na actualidade, o companheirismo e a empatia intertunas (e intertunos) têm relação biunívoca com os remendos, reforços e convidados utilizados. Atrevo-me a afirmar que se houvesse mais de tudo isto, muitas questiúnculas festivaleiras da tanga seriam menorizadas, ou tenderiam a desaparecer.

Curiosamente, algumas tunas chegam ao ponto de formalizar o estatuto de convidado na sua hierarquia e na sua organização interna.

Julgo que esta será – dentre as várias tendências actuais – a mais positiva e a que contribuirá para um caldo de elevação sociocultural dos tunos&tunas.

E estou certo de que os meus parceiros de blog concordarão comigo.

Romeu Sereno

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O Sábio – Episódio III e Epílogo

Londres. Terra de nevoeiros que fazem desaparecer pessoas. E não me refiro às “clientes” do famoso Jack…

Serafim, o nosso boémio, já havia acabado o curso e trabalhava na capital de distrito donde provinha, na sua área de formação original.
Um dia, deixei de saber dele, até que me contactou por email. Estava em Londres e tinha arranjado um emprego a lavar pratos num restaurante! Havia deixado a vida boémia, abandonara o trabalho na sua área de formação, e virara vegetariano abstémio.
Foi o choque. Um dia voltou a Portugal e fomos jantar a um vegetariano. Noutro dia, já passados uns bons tempos, retornou e tomámos um café, continuando as nossas conversas políticas, agora um bocado viradas para a sua nova opção de vida.

O seu endereço de correio electrónico deixou de funcionar e deixei de saber do Sábio.
No Natal do passado ano, recebi uma chamada no telemóvel. O número era de uma cabina telefónica da sua zona de origem e do outro lado desejaram-me bom ano. Não durou quinze segundos a chamada.

O Sábio Serafim que eu conhecia fez-se sumir na terra dos nevoeiros. Já não o reconheço, este vegetariano e abstémio… Apesar de manter a capacidade dialética.

Marcelo Trintão

P.S. Tanto a alcunha como o nome deste personagem não são os originais, por motivos óbvios.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

O Sábio – Episódio II

O Serafim não tocava piano, nem falava francês, mas arranhava, embora mal, uma guitarra portuguesa de afinação estranha e jogava futebol no clube lá da terra. Tinha, obviamente, um ar pálido a que se juntava um par de óculos que deixava escorregar até que ficassem pendurados na ponta do seu nariz aquilino, como um professor dos antigos.
Apesar do ar circunspecto, tinha um humor refinado, a caminho do britânico. Era trotskista e boémio, não acreditava no amor platónico, declamava poesia como ninguém, adorava a capa e, com isto tudo, ganhou a alcunha de “o Sábio”, pois, apesar da sua estranheza, era um gajo tido em consideração por todos os elementos da tuna, até hoje.

Um dos seus episódios mais caricatos deu-se numa saída da tuna, quando foi dormir a casa de outro elemento nosso. Este havia deixado uma cama feita para o Serafim dormir, com lençóis lavados e passados como manda a boa hospitalidade.
Ao chegar a casa do amigo, depois de uma boa noite de boémia, o Sábio – ao deparar-se com a cama feita – vira-se para o hospedeiro e profere quase declamando: “Quem tem capa sempre escapa!”.
Dito e feito. Enrolou-se na capa, deitou-se no chão, e assim dormiu consoladamente toda a noite…

Marcelo Trintão

P.S. Tanto a alcunha como o nome deste personagem não são os originais, por motivos óbvios.